quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Campeonato do Mundo 2014 (elites): percurso, favoritos e antevisão

Terminados os Campeonatos do Mundo de contrarrelógio, com Rafael Reis, Nelson Oliveira e Tiago Machado a superarem as expectativas, é hora das provas de fundo. Aqui fica a análise ao circuito de Ponferrada, aos favoritos nos elites e a antevisão da sua corrida.

Percurso

O Campeonato do Mundo de elites deste ano disputar-se-á em circuito na sua totalidade, o que poderá parecer um cliché mas já não acontecia desde 2009, em Mendrisio, Suíça. Desde então a prova tem tido uma fase inicial fora do circuito.

É um circuito de 18,2 quilómetros ao qual o ciclistas darão 14 voltas para totalizar 254,8 quilómetros. Os primeiros cinco quilómetros serão percorridos dentro de Ponferrada, altura em que se inicia a subida da Confederación, com 5,2 quilómetros de extensão, mais dura na primeira metade e mais ligeira na segunda, incluindo algumas secções de descida, levando a uma inclinação média de 3,3%. É larga a estrada que leva quase até ao topo, mas então mudam para um muito mais estreita, que trará a corrida de regresso a Ponferrada. Depois de uma curta descida, a segunda subida inicia-se aproximadamente a seis quilómetros do risco final. É mais curta mas mais inclinada, com 1140 metros a 5,5% de média e as rampas mais íngremes com 10%. No topo do Mirador faltarão 4,6 km para a meta, incluindo uma descida sinuosa, com algumas curvas apertadas, especialmente no término. Os últimos 1500m serão em terreno plano.

É um final que me faz lembrar a Milano-Sanremo, pelas suas subidas que não são demasiado duras e pela última descida. Mas aqui o desgaste será maior e o terreno plano que leva até à meta será mais curto, dificultando uma recuperação do grupo principal em relação a alguém adiantado.

O maior perigo está na descida final, especialmente se a chuva aparecer. Se for esse o caso, mesmo dentro de Ponferrada poderá tornar-se perigoso.

Têm aqui uma excelente forma de ver o percurso, através do fantástico site www.cronoescalada.com.


O desenrolar…

O Campeonato do Mundo é sempre uma corrida extremamente difícil de prever, pela impossibilidade de utilizar os anos anteriores como balança. A cada ano o percurso é novo e, por mais que olhemos para ele, mesmo que olhemos para os Campeonatos Nacionais ali disputados em junho, não saberemos quão duro se tornará o Mundial até que se aproxime o final. Exceção feita para percursos como o de Copenhaga em 2011, onde a dificuldade é tão baixa que os únicos candidatos às medalhas são sprinters. Não é o caso aqui.

Numa situação de apatia, acredito que haverá 50 a 60 ciclistas no grupo principal à partida para a última volta, o que implicaria a presença de muitos homens rápidos. Mas essa hipótese não convém a algumas equipas e a elas caber-lhes-á a missão de romper com a apatia, atacando e acelerando o ritmo, desgastando os sprinters e as suas equipas.


Favoritos

Simon Gerrans é o principal candidato à vitória. O vencedor da Milano-Sanremo de 2012 e da Liège-Bastogne-LIège deste ano é um ciclista com provas dadas em longas distâncias e em percursos desta dificuldade, reforçando o seu favoritismo recentemente no Canadá, com vitórias no Québec e Montreal. Corre para ser campeão mundial aos 34 anos e não existe um campeão tão velho desde o título de Mario Cipollini em 2002, aos 35, mas Gerrans está no topo da sua carreira. Os australianos contam ainda com Michael Matthews, o campeão sub-23 de 2010 e que se mostrou em muito boa forma no Giro e agora na Vuelta, apesar de tapado por um extraordinário Degenkolb. É mais veloz que Gerrans mas oferece menos garantias numa prova tão longa e, em teoria, será menos resistente aos ataques nas duas subidas do percurso. Ainda assim, é um excelente Plano B para os australianos.

O outro grande e consensual candidato à vitória é o crónico Alejandro Valverde, recordista de medalhas em Campeonatos do Mundo (de fundo, de elites). Subiu pela primeira vez ao pódio em Hamilton (Canadá, em 2003), atrás de um surpreendente Igor Astarloa. Depois em 2005, no seu país (em Madrid) batido ao sprint por Boonen, e em 2006, 2012 e 2013 para receber o bronze. Também ele de 34 anos, próximo do melhor nível da sua carreira, mas necessita de uma corrida mais atacada para eliminar ciclistas superiores num hipotético sprint, exatamente como o australiano. Espanha tem ainda nas suas fileiras o vice-campeão Joaquim Rodríguez, e apesar do entendimento entre eles poder tornar-se impossível, também se poderá tornar desnecessário. Para vencer, Purito necessita (ele mesmo) de atacar a corrida. Para vencer, Valverde necessita (e pode ser qualquer um) que alguém ataque a corrida.

O ouro que escapou aos alemães no contrarrelógio de quarta-feira poderá chegar no domingo por intermédio de John Degenkolb, que se exibiu em grande forma na Vuelta, vencendo quatro etapas (em 2012 venceu cinco e depois foi quarto nos Mundiais). A estratégia para ele é simples: resistir até ao último quilómetro, posicionar-se e sprintar.

Fabian Cancellara tomou este ano uma medida ameaçada já em 2013: abdicar do Mundial de contrarrelógio para se focar na prova de fundo. É a consequência de um processo iniciado há algum tempo. Incapaz de continuar a dominar os contrarrelógios (como durante anos fez) e em simultâneo somar clássicas, Cancellara começou a colocar de parte o treino específico de contrarrelógio para melhorar em aspetos que lhe seriam úteis nas grandes clássicas: resistência e velocidade. Como resultado, mesmo não sendo o melhor para atacar as subidas, é o ciclista que melhor lida com a distância. Quanto mais longo, melhor para ele, e é essa característica que lhe permite aspirar ao ouro do próximo domingo.

A Bélgica apresenta um bloco muito interessante, com o campeão de 2012 Philippe Gilbert, com Tom Boonen, que deu algumas boas indicações na Vuelta, mas sobretudo Greg Van Avermaet, que esteve em bom plano no Canadá e na semana passada venceu o GP da Valónia e o GP Impanis. Falta na sua carreira uma grande vitória que teimosamente escapa nas clássicas da Primavera mas pode chegar neste início de outono.

Também muito interessante, ainda mais que a belga, parece-me a equipa holandesa, com Tom-Jelte Slagter, Tom Dumoulin, Bauke Mollema e Wilco Kelderman. Slagter é o mais rápido dos quatro e Mollema e Kelderman, mesmo não sendo favoritos à vitória, são ciclistas que podem atacar bastante a corrida e endurece-la. Mas é Tom Dumoulin, em excelente forma, que sobressai nos holandeses.

A melhor opção da Itália para um sprint mais numeroso passa por, surpreenda-se, Sonny Colbrelli. No Tríptico Lombardo (três clássicas disputadas na semana passada) obteve um segundo posto e dois triunfos, não deixando dúvidas quanto ao seu momento de forma. Com algumas dúvidas quando às condições físicas do líder Vincenzo Nibali, poderão surgir muitas dúvidas na tricolore, mas ainda assim, atacar e endurecer a prova parece a melhor opção para os italianos.

E é na expectativa desse endurecimento que estará Rui CostaO circuito do ano passado era mais favorável às suas características, impossibilitando os homens mais rápidos de disputar as medalhas. Ainda assim, apesar da ameaça dos velocistas em Ponferrada, Rui Costa é um dos grandes candidatos ao pódio e, porque não, à vitória.

Michal Kwiatkowski, pau para toda a obra, revelação maior do começo de temporada, tem legítimas aspirações. Apesar de não ter cumprido as expectativas no Tour (no que tocava à geral), foi recentemente 2º na Volta à Grã-Bretanha. Por características, qualidade e momento de forma, é outro dos grandes candidatos. Outro ciclista muito versátil mas mais apagado ultimamente é o incontornável Peter Sagan.

Os franceses, este ano com muitos motivos para estarem satisfeitos, têm como líder o multiferramenta Tony Gallopin, já aqui muito elogiado durante o Tour e recentemente no pódio de Montreal ao lado do Rui Costa. Mas Nacer Bouhanni também esteve em excelente forma, não apenas em etapas planas, mas também em etapas que apresentavam um maior grau de seletividade. Está confiante e não é um adversário que se queira ter num sprint.

Por fim, e porque o final lembra-me Sanremo, Alexander Kristoff, vencedor deste ano da Classicissima. Outro que ninguém quererá enfrentar num sprint.

***** Gerrans e Valverde
**** Degenkolb, Cancellara, Van Avermaet e Matthews
*** Costa, Kwiatkowski, Sagan, Tom Dumoulin, Boonen e Gallopin

** Rodríguez, Gilbert, Kristoff, Nibali, Colbrelli e Bouhanni


Chave-a-corrida

Não é um Mundial tão duro como no ano passado nem tão fácil como há três anos em Copenhaga. O grau de dureza será aquele que os ciclistas impuserem, com especial responsabilidade nesse campo para Espanha, Itália e Holanda, pois mesmo a Bélgica tem opções em caso de sprint, com Tom Boonen.

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