Rui Costa está a terminar agora um ano de arco-íris. Oxalá renove o título, claro, mas o título mundial conquistado em Florença está a terminar, se é que um título mundial e uma medalha de ouro têm prazo de caducidade.
Quando há um ano, após o título mundial alcançado, escrevi que Rui Costa se colocava como o melhor ciclista português de sempre, antes de o ler em qualquer jornal ou ouvir de algum opinion maker, talvez fosse uma ousadia. Mas passado um ano mantenho a mesma convicção.
Ainda antes do título, o Rui deixou de ser apenas uma figura do ciclismo nacional para se tornar uma das maiores figuras do desporto luso. Como Nélson Évora ou Francis Obikwelu, sem dar pontapés numa bola conquistou uma notoriedade fora do comum na (in)cultura desportiva portuguesa. Os adeptos que gostam de desporto para além da bola começaram a olhar e acompanhar Rui Costa, se não com atenção, pelo menos com curiosidade. Durante muitos anos “Quem vai ganhar a Volta a França?” foi a pergunta que mais ouvi durante os meses de junho e julho, mas este ano essa pergunta foi substituída por “o que pode fazer o Rui Costa na Volta a França?” ou “como tem estado o Rui Costa?”, perguntas que começaram logo em janeiro, muitas vezes feitas por pessoas que nunca me tinham perguntado sobre ciclismo.
Essa notoriedade traz um contrapeso: críticas. Críticas fazem parte quando se faz algo público e não se pode chegar a uma multidão sem que haja críticas. Umas vezes ponderadas e racionais, outras vezes completamente injustas. Fazem parte e há que saber encaixa-las. Infelizmente um comentário negativo espalha-se muito mais do que um positivo.
Com o título de Campeão do Mundo, com a camisola arco-íris, Rui Costa tinha, no mínimo, que ganhar todas as provas em que participasse. Não, não tinha, mas isso pensou muita gente.
Depois chegaram as primeiras provas e o Rui teve um começo de temporada extraordinário. Três segundos lugares em etapas da Volta ao Algarve e o terceiro da geral, dois segundos lugares em etapas do Paris-Nice e o mesmo posto na geral, o que significava um total de seis segundos lugares e um terceiro até meados de março. Visto assim, até parece fácil estar sempre entre os primeiros. E para quem achava que era fácil, parecia quase incompetência que o Rui Costa não fosse capaz de vencer. Parecia, mas não. Estava a ser o melhor começo de temporada da carreira do Rui Costa.
Mentiria se dissesse que tudo foram rosas neste ano de arco-íris, porque não se fazem arco-íris só de uma cor. A primeira vez que os planos falharam foi durante o mês de abril. Na Volta ao País Basco devido a vários problemas na viagem até à prova, que lhe fez perder a classificação geral logo no primeiro dia (e a partir daí nada podia ser igual), nas Ardenas devido a problemas mecânicos e quedas. Por vários motivos, abril foi, e há que dizê-lo, um mês que correu mal ao campeão do mundo. E aí, quem até achava mal os segundos lugares, intensificou as críticas. Mas logo no início de maio o terceiro lugar na Volta à Romandia veio apagar as desilusões das Ardenas, até porque era a repetição de 2013 e 2012, de certa forma mostrando que Rui Costa era o mesmo, sendo ou não campeão do mundo, para quem tinha dúvidas.
Depois a vitória na Volta à Suíça, também pelo terceiro ano, veio desfazer a ideia de que, com a camisola de campeão do mundo todos o conheciam, ninguém lhe daria liberdade e tudo seria mais difícil. Sim, todos o conheciam e ninguém lhe daria liberdade, mas nos dois anos anteriores também já toda a gente o conhecia e não foi por isso que as vitórias faltaram. Em 2012, na primeira chegada em alto da Volta à Suíça, atacou já nos quilómetros finais quando todos sabem que qualquer movimentação é perigosa e não foi por isso que o pararam. E a apesar dos ataques, até final ninguém lhe tirou a camisola amarela do corpo. No ano seguinte, partindo como “campeão em título”, também todos sabiam que era um homem a marcar mas voltou vencer. No Tour 2013 o pelotão concedeu-lhe liberdade para estar na fuga do dia sim, não por ser desconhecido mas por estar atrasado na geral. Mesmo sabendo o perigo que representava, os seus colegas de fuga foram incapazes de o parar, uma e outra vez. Finalmente, quando estava na cabeça-de-corrida do Mundial, é escusado dizer que todos sabiam o perigo que cada um dos seus adversários representava. Portanto, nos últimos dois anos Rui Costa teve que conquistar cada uma das suas vitórias por mérito próprio, como veio a conquistar a sua terceira Volta à Suíça.
A expectativas eram altas para a Volta a França, o grande objetivo da temporada, mas ficamos sem saber do que seria capaz em condições normais. Cumpriu no pavé, cumpriu nos Vosges, mas depois teve uma broncopneumonia que o forçou a desistir da prova nos Alpes. Teremos que esperar por 2015 para saber do que é capaz numa grande volta e esse terá sido um dos motivos para renovar com a Lampre, equipa que lhe garante uma grande liberdade nesse aspeto.
Finalmente no Canadá desfez as dúvidas quanto à qualidade da sua temporada, com um segundo lugar no Grande Prémio de Montreal que o coloca na sexta posição do World Tour. Não será suficiente para quem queria que ganhasse o Tour, mas deverá ser o bastante para quem sabe que ciclismo é mais, muito mais, que o Tour. E em toda a sua grandeza, Rui Costa é um dos melhores do mundo, mais uma vez um dos melhores do ano e um grande merecedor da camisola que levou vestida durante um ano. Domingo é dia de lutar por outra, que é a mesma.
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