Tom Boonen já é um Rei de Flandres, um ídolo, mas ainda pode
ir mais além. Depois do que conquistou nos últimos dias, está a caminho de se
tornar o mais vitorioso e melhor sucedido corredor em pavês e eliminar as
comparações com Johan Museeuw, Roger de Vlaeminck ou Eddy Merckx. Já não é “o
novo Museeuw” e deixará de ser também “o sucessor de Museew”, tornando apenas
ele, Tom Boonen.
Não vou repetir o que já disse noúltimo artigo nem comentar a postura dos comentadores Eurosport PT perante
Boonen. Centremo-nos em Boonen, na Volta a Flandres e no Paris-Roubaix de
ontem.
Volta
a Flandres
Infelizmente, Fabian Cancellara caiu na Volta a Flandres,
partiu a clavícula (em quatro sítios) e ficamos impedidos de ver o duelo entre
ele e Boonen, um duelo que prometia ser muito empolgante. A partir daí, Boonen
tornou-se o mais claro favorito à vitória. Uma queda na penúltima volta, nos
primeiros colocados do pelotão quando este subia o Paterberg, ia deixando quase
toda a gente fora da luta, mas felizmente os dois grupos aí formados ainda se
voltaram a juntar. Foi só na última volta, no Oude Kwaremont, penúltima
dificuldade da prova, que um ataque de Alessandro Ballan (BMC) formou o trio
que lutaria pela vitória, juntamente com Filippo Pozzato (Farnese Vini) e,
claro, Tom Boonen (Omega Pharma). A subir o belga estava em desvantagem para
com os italianos, mas Peter Sagan (Liquigas) e Pozzato fizeram com que Boonen chegasse
a Balan, vencedor da prova em 2007.
Na última subida do dia, as pernas começaram a falhar a
Boonen, mas o belga, da região “holandesa” do país, Flandres, teve a garra dos
grandes campeões e conseguiu terminar a dificuldade perto dos outros dois, o suficiente
para encostar nas suas rodas logo a seguir. Pozzato e Ballan poderiam ter
deixado Boonen ali, mas não o fizeram, ou porque não repararam nas dificuldades
por que este passava ou porque também eles iam no limite.
Peter Sagan e Luca Paolini (Katusha) foram os mais
inconformados e os que mais próximos estiveram do trio da frente, mas ninguém
conseguiu lá chegar. Ballan, sabendo que era o mais lento dos três, atacou
diversas vezes, mas sempre sem sucesso. No final Boonen confirmou o
favoritismo, perante a alegria dos seus compatriotas, bem patente na foto seguinte. Uma criança de 11 anos, com a camisola da Omega Pharma e um monte de
bandeiras de Flandres na mão, ajoelhada, a comemorar a vitória do seu ídolo.
Num país desportivamente cateto e obcecado pelo futebol como o nosso, é
impossível compreendermos totalmente esta paixão. Momentos como estes fazem-nos
compreender uma parte, mas certamente que muito continua incompreensível para
nós.
A vitória de Boonen em Flandres fez manchete nos jornais
generalistas belgas. Pois é! Quando o Sérgio Paulinho ou o Rui Costa venceram
na Volta a França, tiveram apenas um cantinho nos jornais "DESPORTIVOS" portugueses, como se fosse uma coisa banal. Quando o Nelson Évora foi campeão
olímpico, o destaque do Record era uma entrevista com o Aimar. Quando o Boonen
venceu a Volta a Flandres (tantas e tantas vezes vencida por belgas e já duas
vezes anteriormente por ele), não só foi capa nos jornais desportivos, como foi
manchete nos desportivos e nos generalistas. Somos mesmo um país
desportivamente cateto.
Paris-Roubaix
Ballan, Pozzato e Boonen partiam para o Paris-Roubaix como
os três grandes favoritos, pelo seu palmarés nesta prova mas também pelo que
fizeram na Volta a Flandres, sendo o favoritismo do belga maior por ser o mais
rápido e lhe “bastar” andar na roda dos restantes. Esta situação era semelhante
à de 2010, em que Cancellara e o mesmo Boonen mostraram em Flandres ser quem
tinha melhor condição física e partiram para Roubaix como homens a bater.
Boonen fez o que Cancellara lhe fez daquela vez.
Em 2010, Cancellara aproveitou uma distracção do grupo de
favoritos para atacar e vencer com dois minutos de avanço. Não foi uma
distracção de Boonen nem o “aproveitar que Boonen estava a alimentar-se”.
Cancellara estava num grupo de onze corredores em que ninguém puxava e todos
olhavam uns para os outros sem grande preocupação. Arrancou e lá foi ele. Na
sua perseguição, Boonen foi quem deu mais de si, tentado chegar à frente para
cumprir o seu objectivo: vencer! Provou aí um veneno que não gostou e ontem
aplicou-o a seu favor.
Boonen, com o seu colega Niki Terpstra (que também está em
excelente forma), aproveitou uma brecha que os seus rivais deixaram e atacou a
50 quilómetros do final, na mesma zona de Cancellara há dois anos. Boonen não
precisa de reconhecer a prova e não precisa que lhe digam como a correr, porque
já a tinha vencido sozinho e ao sprint, já a tinha perdido de várias formas e
não há melhores professores do que a experiência e os erros. Basta querer
aprender com eles.
Voltando ao ataque… Boonen saberá que não é tão bom
contra-relogista como Cancellara, mas também sabe o que é estar na perseguição
a um homem e sabia que lá atrás teriam o mesmo problema que ele teve em 2010.
Sinceramente, quando vi ele e o seu colega na frente, pensei que fizessem a
dobradinha. Afinal de contas, a Omega Pharma-Quick Step é a sucessora da Mapei…
que fez três triplas em Roubaix.
Terpstra não aguentou o sector seguinte de pavé e, durante
50 quilómetros, o Tornado Tom apenas teve que se preocupar em dar aos pedais.
Boonen pedalou a um ritmo constante porque sabia que só dependia de si e desse
ritmo para vencer. Lá atrás, a Sky trabalhava para Flecha mas sabiam que Luca
Paolini, Mathieu Ladagnous (FDJ), Sebastien Turgot (Europcar) e Guarnieiri
(Astana) eram mais rápidos ao sprint e por isso talvez fosse melhor poupar
Boasson Hagen. Além disso, Ballan, Vansummeren (Garmin), Lars Boom (Rabobank) e
Terpstra eram sérias ameaças e convinha que trabalhassem na frente do grupo
para também se desgastarem. Ballan, Vansummeren e Boom sabiam que podia
discutir a prova mas também temiam os homens mais rápidos e preferiam que fosse
a Sky (que tinha Flecha, Hagen, Stannard e Hayman) a comandar a perseguição. Ladagnous,
Turgot e Paolini, sendo modestos, preferiam estar quietos, deixar a Sky
trabalhar e pouparem-se para o sprint e a luta pelo pódio. Enfim, eram catorze homens, treze cheios de dúvidas
e receios e um (Terpstra) “descansado” por ter o colega a caminho da vitória.
Pozzato e Hushovd já tinham ficado fora da luta devido a quedas e Sylvain
Chavanel devido a furo.
Flecha atacou no grupo perseguidor quando ainda tinha três
colegas, um ataque que significava que o trabalho dos colegas não era
suficiente… ou que se queria livrar de Hagen. Boom furou, reentrou no grupo e
atacou, ficando apenas com Ballan, Flecha e o surpreendente Ladagnous a 15 km
da meta e com Boonen a 1.10 minutos. Naquele momento era preciso que alguém
assumisse a perseguição atrás, sem medos, mas ninguém o fez. Pessoalmente, só
vejo três corredores de pavé capazes de o assumir: Gilbert, Cancellara… e
Boonen. Os dois primeiros estavam em casa e o terceiro era o homem da frente. A
corrida estava aí sentenciada, tal como estava a 40 km da meta, quando os
perseguidores começaram a pensar uns nos outros em demasia.
Ladagnous teve a infelicidade de furar, Flecha, Ballan e
Boom ficaram com luta pelo segundo lugar entre eles… ou pensavam que sim. Já
dentro de Velódromo de Roubaix, Terpstra e Turgot apanharam-nos, mostrando que,
mais importante de ser um, dois, três, quatro ou dez a perseguir, é a união
existente entre eles. Foi necessário photofinish,
mas o segundo lugar foi para Turgot e o terceiro para Ballan, 1.39 minutos
depois de Boonen, agora empatado com Roger de Vlaeminck como os mais vitoriosos
do Paris-Roubaix, com quatro triunfos.
O
melhor de sempre?
Esta é a capa do generalista Het Nieuwsblad após a vitória de Boonen em Roubaix. Impensável em Portugal |
De Vlaeminck, tal como Merckx, correu numa geração muito
diferente à de Boonen, por isso não gosto de fazer comparações sobre quem era
melhor ciclista. Independentemente disso, Boonen vai a caminho de ser o mais
bem-sucedido corredor das provas de pavé. Nunca venceu nem vencerá a Amstel
Gold Race como Museeuw, ou a Liège-Bastonge-Liège e o Giro di Lombardia como De
Vlaeminck e Merckx, três corredores mais versáteis, principalmente os dois mais
velhos, porque correram numa época em que o mesmo ciclista podia ganhar quase
todas as provas do calendário.
Mas no que toca às cinco grandes provas de pavé, Boonen leva
cinco GP E3 de Flandres, três Gent-Wevelgem, três Voltas a Flandres e quatro
Paris-Roubaix. É o recordista no GP E3, na GW reparte o recorde com Merckx e
mais três corredores, em Flandres com Museeuw e mais três e em Roubaix apenas
com De Vlaeminck. Tem ainda um pódio em Flandres, dois em Roubaix (incluindo a
primeira participação), um na GW, dois no GP E3 e três no Circuito Het
Nieuwsblad (ex-Het Volk), a única grande prova de pavé que lhe falta vencer.
Tem também um título mundial e muitas outras vitórias, que podem ser vistas, porexemplo, aqui. Mas principalmente tem 31 anos e tempo suficiente para se
tornar o recordista isolado de cada uma destas provas.
Artigo sublime!!
ResponderEliminarÉ bom ver te de volta Ace! :D
ResponderEliminarGosto de te ver outra vez a postar mais regularmente Ace! :D
ResponderEliminarGostei muito do artigo dos putos, sendo o melhor o Démare!«... :mrgreen:
Fazes falta no pcmpt