De Vlaeminck e Merckx venceram os 5 Monumentos |
Imagine-se o que era em 1892 pedalar durante 250
quilómetros. 32 ciclistas alinharam nessa aventura e assim nasceu a
Liège-Bastogne-Liège, cujo vencedor demorou quase 11 horas para a terminar.
Como se percebe, a Volta a França
não é a corrida mais antiga. Ainda antes do Tour (que surgiria em 1903), o Paris-Roubaix
foi realizado pela primeira vez em 1896. Em 1905 foi o primeiro Giro di
Lombardia, em 1907 a Milano-Sanremo e em 1913 e Volta a Flandres.
A história e a dureza de cada uma delas serão os principais fatores de diferenciação entre estas e as demais clássicas. Ainda assim, cada uma delas é muito diferente das demais.
Milano-Sanremo
Conhecida como uma clássica para sprinters, nem sempre foi
assim. Apenas na década de 50 se tornou mais frequente que a discussão da
corrida fosse feita entre grupos mais numerosos, quando a tecnologia (que ainda
era muito rudimentar) começou a ser mais equiparada entre todos os ciclistas.
De 1936 a 1977 a prova teve 19 de Março como dia base da sua
realização, oscilando por vezes para dia 18 ou 20. Com o aumentar de interesses
comerciais em torno da transmissão televisiva, foi então fixado que a corrida
passaria a disputar-se no sábado mais próximo ao dia 19 de Março,
tendo essa regra sido alterada este ano para domingo, pelos mesmos interesses.
Apesar de Poggio di Sanremo e Cipressa serem tão falados em
cada edição da corrida, só foram introduzidos em 1960 e 82 respetivamente, com
o objetivo de tornar a corrida mais aberta e contrariar as chegadas em grupos
numerosos que se iam generalizando.
A tecnologia continuou a evoluir, os ciclistas tinham cada vez maior facilidade em ultrapassar o Poggio e a Cipressa e em 2008 foi
introduzida a subida a Le Manie a 100 km do final, uma subida que não decide o
vencedor mas causa desgaste nos sprinters, podendo esse desgaste fazer-se
sentir nas duas subidas finais.
Olhando para os últimos dez anos, tivemos vencedores tão
diferentes como os sprinters Alessandro Petacchi (2005) e Mark Cavendish (2009)
ou como os classicomanos Filippo Pozzato (2006) e Fabian Cancellara (2008). O
mais recente vencedor foi Gerald Ciolek, compatriota do tetra vencedor Erik
Zabel, que entre 97 e 2001 ganhou quatro das cinco edições. Ainda assim, o
alemão ficou distante do recorde de Eddy Merckx. Com sete vitórias no seu
palmarés, não parece que alguém seja capaz de igualar Merckx num futuro a curto
ou médio prazo.
Nada curto é o percurso da prova, quase 300 km de extensão, número
que é mesmo ultrapassado se contabilizada a distância que os ciclistas têm que
percorrer entre a partida simbólica e a partida real.
Ronde Van Vlaanderen (Volta a Flandres)
Paixão flamenga no Kapelmuur, Volta a Flandres |
Criada “apenas” em 1913, a Volta a Flandres parece uma
menina quando comparada com as suas primas. No entanto, está próxima de cumprir
100 anos, o que acontecerá em Maio. Antes disso, já no próximo domingo terá a
sua 97ª edição (de 1915 a 18 não se disputou devido à 1ª Guerra Mundial).
O percurso variou muito, até porque muitas estradas foram
fortemente afetadas pelas duas grandes guerras, mas são as colinas em pavé que
fazem a história da prova. Kapelmuur e Bosberg foram as últimas dificuldades em
cada uma das edições entre 1988 e 2011, posto que em 2012 o final da prova foi
alterado… por questões monetárias. A cidade de Meerbeke, que recebia o término
da Volta a Flandres desde 1973, foi substituída por Oudennarde, que pagava mais
e possibilitava um circuito final mais interessante para a transmissão
televisiva (câmaras fixas costumam estar instaladas nos principais muros da
prova).
Tom Boonen foi o primeiro a vencer em Oudennarde e tem agora
três títulos na prova, igualado com mais quatro corredores. Associada a essa
vitória fica a imagem de uma criança, com o equipamento da Omega Pharma,
ajoelhada a comemorar a vitória do seu ídolo, com várias bandeiras de Flandres. Na Bélgica o ciclismo é assim. Move multidões, apaixona jovens, faz
capas de jornais e causa inveja a nós que gostamos de ciclismo num país sem
cultura desportiva como Portugal.
Imagem marcante da última Volta a Flandres |
Em Oudenaarde existe o Centrum Ronde van Vlaanderen, museu
dedicado à prova, e para o próximo próximo domingo as previsões são de cerca de
um milhão de pessoas para estar na estrada a assistir in loco à Ronde, tudo isto num país que tem onze milhões de pessoas,
o que equivale a quase 10% da população. Muitas juntar-se-ão nos cafés e pubs (quase todos eles com decoração
alusiva ao ciclismo) para vibrar com as pedaladas da sua equipa favorita, do
seu ciclista favorito, do herói da sua cidade. Também lá estarão centenas de
crianças com o sonho de um dia vencer a Volta a Flandres. A maioria nunca
chegará a ser ciclista, mas lá é assim, o ciclismo faz parte do imaginário de
uma grande parte da população.
Paris-Roubaix
O Inferno do Norte é
muito provavelmente a mais mediática prova de um dia, pelos seus mais de
cinquenta quilómetros de pavé, um pavé que é muito mais duro do que a típica
calçada portuguesa.
Não se pode comparar de forma alguma o empedrado que existe
na maioria das provas de ciclismo com o que os ciclistas têm que ultrapassar no
Paris-Roubaix, um empedrado antigo que apenas é mantido porque pertence a esta prova, que por sua vez pertencem à história do desporto francês.
Les Amis de
Paris-Roubaix (Os Amigos de Paris-Roubaix) é uma associação fundamental na
preservação destes setores de pavé. Por um lado, garante que os setores não são substituídos por alcatrão, e por outro já garantiu a renovação de
alguns deles, para que estejam em condições de ser ultrapassados pelos
ciclistas. Grandes temporais ou o simples crescimento de vegetação podem ser
problemas nalguns troços, bem como os adeptos que decidem levar um paralelo de
recordação.
Desde o final da década de 60 que o início da prova é dado
em Compiègne, cerca de 65 km a norte de Paris, e apesar de alguns setores de
pavé terem entrado ou saído do percurso nos últimos anos, o final já é o mesmo
desde 1943 (com exceção de 86, 87 e 88), o Vélodrome de Roubaix, a meia dúzia
de quilómetros da fronteira com a Bélgica.
Muitos adeptos levam um paralelo para casa, mas apenas uma pessoa por ano o deveria fazer: o vencedor |
“É a corrida mais importante para mim. Quando entro nos
chuveiros de Roubaix, começo a preparação para o ano seguinte.” Quem o disse
foi Tom Boonen, antes da edição de 2004, então com 23 anos e o terceiro lugar
de 2003. Venceria a prova em 2005, 08, 09 e 12, igualando Roger De Vlaeminck
como o mais titulado de Roubaix. Será capaz de se isolar como recordista? Dia 7
terá uma oportunidade para isso e depois desta ainda deverá ter mais algumas
até ao final da sua carreira. Certo é que, com lama ou com muito pó no ar, o
Paris-Roubaix é sempre uma prova fantástica e um dos mais espetaculares dias
de cada temporada.
Liège-Bastonge-Liège
421.158 telespetadores, em média, assistiram à
Liège-Bastogne-Liège de 2012 no canal público da Valónia, o que equivale a 35%
de share (dados referentes à Valónia). Em Junho, já depois de terminado o
campeonato belga de futebol, a Liège-Bastogne-Liège liderava a tabela dos
programas desportivos de 2012, seguida do Paris-Roubaix em segundo, um jogo de
futebol em terceiro, a Volta a Flandres em quarto e a Flèche Wallone em quinto.
E de realçar que apenas um destes cinco eventos foi transmitido em horário
nobre: o jogo de futebol.
O motivo por trás da criação da Liège-Bastonge-Liège foi o
mesmo que levou à criação do Tour, do Giro e de tantas outras provas: promover
um jornal. E que melhor forma de promover algo do que ir de porta em porta do
seu público?
As coisas mudam, os jornais deixaram de ser os organizadores
das corridas e foram substituídos por empresas 100% dedicadas à gestão de
eventos desportivos, mas a paixão dos adeptos continua. La Doyenne (A Mais Antiga como é conhecida) é um sonho de qualquer
ciclista valão, tal como a Ronde é para os flamengos.
Este é também o Monumento que melhor se adapta aos
trepadores. As subidas são relativamente longas e inclinadas e o final é duro,
sobretudo desde que em 92 saiu do centro de Liège para Ans, nos subúrbios.
Desde então, Andy Schleck, Alexandre Vinokourov (2x), Alejandro Valverde (2x)
ou Philippe Gilbert já venceram a prova. O último vencedor foi Maxim Iglinsky e
o recordista é um tal de Edouard Merxkc, ou Eddy, como é mais conhecido. Tem cinco
vitórias.
Il Lombardia
O Giro di Lombardia, desde 2011 chamado de Il Lombardia, é o
Monumento que mais alterações de percurso tem sofrido na sua história. Desde o
Milão-Milão que durou de 1905 a 1960 ao Bergamo-Lecco atual, muitas cidades
acolheram o início e o final da prova, incluindo a cidade suíça de Mendrisio.
Mais estáveis têm sido as duras subidas que fazem parte do
percurso e tornam esta a mais montanhosa das cinco grandes clássicas, apesar do
final contrariar as preferências dos trepadores e por isso muitos preferirem a
Liège-Bastogne-Liège, onde o final lhes dá maiores possibilidades de êxito. Uma
das subidas mais carismáticas da prova é a subida à capela Madonna del
Ghisallo, patrona dos ciclistas, e junto à capela existe um pequeno museu do ciclismo.
Capela de Madonna del Ghisallo |
Fausto Coppi venceu por cinco ocasiões a competição e é o
recordista. Damiano Cunego (3) e Philippe Gilbert (2) são os ciclistas no ativo
que poderão chegar à marca de Coppi, ainda que seja uma árdua tarefa.
Recordistas
Nas suas histórias centenárias, apenas três ciclistas venceram as
cinco provas: Eddy Merckx, Roger De Vlaeminck e Rik Van Looy. Deles destaca-se
Eddy Merkcx com um total de 19 vitórias, e o último que esteve próximo de se
juntar a este restrito grupo foi Sean Kelly. Ao irlandês faltou-lhe a vitória
na Volta a Flandres, prova em que foi segundo classificado por três vezes.
Um ciclista vencer as cinco provas nos dias de hoje parece
impossível. Fabian Cancellara (Sanremo, Flandres e Roubaix), Tom Boonen
(Flandres e Roubaix) e Philippe Gilbert (Liège e Lombardia) são os únicos
ciclistas no ativo que já venceram mais de um Monumento diferente. Independentemente de ninguém se perfilar para vencer as cinco, uma coisa é certa: cada uma delas é sinónimo de espetáculo garantido.
Grande Artigo, sou um grande apreciador desta altura da época, por causa destas clássicas, gostaria de sugerir um artigo, para perceber melhor o trabalho de uma equipa orientada para estas clássicas, como a Omega, contra ciclistas (quase) sem equipa como o Cancellara e o Sagan
ResponderEliminarExcelente artigo ! Parabéns. Concordo com tudo o que foi dito ...
ResponderEliminarEu acredito que Peter Sagan (que ainda tem muitos anos de ciclismo pela frente) vá vencer os 5 monumentos.
ResponderEliminarMais um Excelente Artigo!
ResponderEliminarObrigado pelos comentário.
ResponderEliminarAnónimo, a estratégia na corrida ou o trabalho feito antes? Não percebi a sugestão.
Pengo, para já leva 0 vitórias, nunca esteve na discussão de Roubaix e nunca alinhou em Liège nem na Lombardia. O que não faltam são grandes especialistas que andam anos e anos atrás de uma prova e nunca chegam a vence-la, como o Flecha e o Hushovd em Roubaix. Agora imagine-se o que é vencer as 5.
Cumprimentos!
Sagan tem apenas 23 anos, é normal ainda não ter participado na Liége ou nunca ter estado na discussão de Roubaix..terá tempo para o fazer...
ResponderEliminar