quarta-feira, 27 de março de 2013

Histórias das cinco clássicas Monumento

De Vlaeminck e Merckx venceram os 5 Monumentos
Quem nunca ouviu falar de Milano-Sanremo, Volta a Flandres, Paris-Roubaix, Liège-Bastonge-Liège ou Giro di Lombardia (agora Il Lombardia)? Certamente que todos os adeptos já ouviram falar nestas que são as cinco clássicas Monumento do ciclismo, as mais importantes e provavelmente as mais duras do calendário. A mais jovem delas cumpre este ano o 100º aniversário. O que as torna tão especiais?

Imagine-se o que era em 1892 pedalar durante 250 quilómetros. 32 ciclistas alinharam nessa aventura e assim nasceu a Liège-Bastogne-Liège, cujo vencedor demorou quase 11 horas para a terminar.

Como se percebe, a Volta a França não é a corrida mais antiga. Ainda antes do Tour (que surgiria em 1903), o Paris-Roubaix foi realizado pela primeira vez em 1896. Em 1905 foi o primeiro Giro di Lombardia, em 1907 a Milano-Sanremo e em 1913 e Volta a Flandres.

A história e a dureza de cada uma delas serão os principais fatores de diferenciação entre estas e as demais clássicas. Ainda assim, cada uma delas é muito diferente das demais.

Milano-Sanremo

Conhecida como uma clássica para sprinters, nem sempre foi assim. Apenas na década de 50 se tornou mais frequente que a discussão da corrida fosse feita entre grupos mais numerosos, quando a tecnologia (que ainda era muito rudimentar) começou a ser mais equiparada entre todos os ciclistas.

De 1936 a 1977 a prova teve 19 de Março como dia base da sua realização, oscilando por vezes para dia 18 ou 20. Com o aumentar de interesses comerciais em torno da transmissão televisiva, foi então fixado que a corrida passaria a disputar-se no sábado mais próximo ao dia 19 de Março, tendo essa regra sido alterada este ano para domingo, pelos mesmos interesses.

Apesar de Poggio di Sanremo e Cipressa serem tão falados em cada edição da corrida, só foram introduzidos em 1960 e 82 respetivamente, com o objetivo de tornar a corrida mais aberta e contrariar as chegadas em grupos numerosos que se iam generalizando.

A tecnologia continuou a evoluir, os ciclistas tinham cada vez maior facilidade em ultrapassar o Poggio e a Cipressa e em 2008 foi introduzida a subida a Le Manie a 100 km do final, uma subida que não decide o vencedor mas causa desgaste nos sprinters, podendo esse desgaste fazer-se sentir nas duas subidas finais.

Olhando para os últimos dez anos, tivemos vencedores tão diferentes como os sprinters Alessandro Petacchi (2005) e Mark Cavendish (2009) ou como os classicomanos Filippo Pozzato (2006) e Fabian Cancellara (2008). O mais recente vencedor foi Gerald Ciolek, compatriota do tetra vencedor Erik Zabel, que entre 97 e 2001 ganhou quatro das cinco edições. Ainda assim, o alemão ficou distante do recorde de Eddy Merckx. Com sete vitórias no seu palmarés, não parece que alguém seja capaz de igualar Merckx num futuro a curto ou médio prazo.

Nada curto é o percurso da prova, quase 300 km de extensão, número que é mesmo ultrapassado se contabilizada a distância que os ciclistas têm que percorrer entre a partida simbólica e a partida real.

Ronde Van Vlaanderen (Volta a Flandres)

Paixão flamenga no Kapelmuur, Volta a Flandres
Criada “apenas” em 1913, a Volta a Flandres parece uma menina quando comparada com as suas primas. No entanto, está próxima de cumprir 100 anos, o que acontecerá em Maio. Antes disso, já no próximo domingo terá a sua 97ª edição (de 1915 a 18 não se disputou devido à 1ª Guerra Mundial).

O percurso variou muito, até porque muitas estradas foram fortemente afetadas pelas duas grandes guerras, mas são as colinas em pavé que fazem a história da prova. Kapelmuur e Bosberg foram as últimas dificuldades em cada uma das edições entre 1988 e 2011, posto que em 2012 o final da prova foi alterado… por questões monetárias. A cidade de Meerbeke, que recebia o término da Volta a Flandres desde 1973, foi substituída por Oudennarde, que pagava mais e possibilitava um circuito final mais interessante para a transmissão televisiva (câmaras fixas costumam estar instaladas nos principais muros da prova).

Tom Boonen foi o primeiro a vencer em Oudennarde e tem agora três títulos na prova, igualado com mais quatro corredores. Associada a essa vitória fica a imagem de uma criança, com o equipamento da Omega Pharma, ajoelhada a comemorar a vitória do seu ídolo, com várias bandeiras de Flandres. Na Bélgica o ciclismo é assim. Move multidões, apaixona jovens, faz capas de jornais e causa inveja a nós que gostamos de ciclismo num país sem cultura desportiva como Portugal.

Imagem marcante da última Volta a Flandres
Em Oudenaarde existe o Centrum Ronde van Vlaanderen, museu dedicado à prova, e para o próximo próximo domingo as previsões são de cerca de um milhão de pessoas para estar na estrada a assistir in loco à Ronde, tudo isto num país que tem onze milhões de pessoas, o que equivale a quase 10% da população. Muitas juntar-se-ão nos cafés e pubs (quase todos eles com decoração alusiva ao ciclismo) para vibrar com as pedaladas da sua equipa favorita, do seu ciclista favorito, do herói da sua cidade. Também lá estarão centenas de crianças com o sonho de um dia vencer a Volta a Flandres. A maioria nunca chegará a ser ciclista, mas lá é assim, o ciclismo faz parte do imaginário de uma grande parte da população.

Paris-Roubaix

O Inferno do Norte é muito provavelmente a mais mediática prova de um dia, pelos seus mais de cinquenta quilómetros de pavé, um pavé que é muito mais duro do que a típica calçada portuguesa.

Não se pode comparar de forma alguma o empedrado que existe na maioria das provas de ciclismo com o que os ciclistas têm que ultrapassar no Paris-Roubaix, um empedrado antigo que apenas é mantido porque pertence a esta prova, que por sua vez pertencem à história do desporto francês.

Les Amis de Paris-Roubaix (Os Amigos de Paris-Roubaix) é uma associação fundamental na preservação destes setores de pavé. Por um lado, garante que os setores não são substituídos por alcatrão, e por outro já garantiu a renovação de alguns deles, para que estejam em condições de ser ultrapassados pelos ciclistas. Grandes temporais ou o simples crescimento de vegetação podem ser problemas nalguns troços, bem como os adeptos que decidem levar um paralelo de recordação.

Desde o final da década de 60 que o início da prova é dado em Compiègne, cerca de 65 km a norte de Paris, e apesar de alguns setores de pavé terem entrado ou saído do percurso nos últimos anos, o final já é o mesmo desde 1943 (com exceção de 86, 87 e 88), o Vélodrome de Roubaix, a meia dúzia de quilómetros da fronteira com a Bélgica.

Muitos adeptos levam um paralelo para casa,
mas apenas uma pessoa por ano o deveria fazer: o vencedor
“É a corrida mais importante para mim. Quando entro nos chuveiros de Roubaix, começo a preparação para o ano seguinte.” Quem o disse foi Tom Boonen, antes da edição de 2004, então com 23 anos e o terceiro lugar de 2003. Venceria a prova em 2005, 08, 09 e 12, igualando Roger De Vlaeminck como o mais titulado de Roubaix. Será capaz de se isolar como recordista? Dia 7 terá uma oportunidade para isso e depois desta ainda deverá ter mais algumas até ao final da sua carreira. Certo é que, com lama ou com muito pó no ar, o Paris-Roubaix é sempre uma prova fantástica e um dos mais espetaculares dias de cada temporada.

Liège-Bastonge-Liège

421.158 telespetadores, em média, assistiram à Liège-Bastogne-Liège de 2012 no canal público da Valónia, o que equivale a 35% de share (dados referentes à Valónia). Em Junho, já depois de terminado o campeonato belga de futebol, a Liège-Bastogne-Liège liderava a tabela dos programas desportivos de 2012, seguida do Paris-Roubaix em segundo, um jogo de futebol em terceiro, a Volta a Flandres em quarto e a Flèche Wallone em quinto. E de realçar que apenas um destes cinco eventos foi transmitido em horário nobre: o jogo de futebol.

O motivo por trás da criação da Liège-Bastonge-Liège foi o mesmo que levou à criação do Tour, do Giro e de tantas outras provas: promover um jornal. E que melhor forma de promover algo do que ir de porta em porta do seu público?

As coisas mudam, os jornais deixaram de ser os organizadores das corridas e foram substituídos por empresas 100% dedicadas à gestão de eventos desportivos, mas a paixão dos adeptos continua. La Doyenne (A Mais Antiga como é conhecida) é um sonho de qualquer ciclista valão, tal como a Ronde é para os flamengos.

Este é também o Monumento que melhor se adapta aos trepadores. As subidas são relativamente longas e inclinadas e o final é duro, sobretudo desde que em 92 saiu do centro de Liège para Ans, nos subúrbios. Desde então, Andy Schleck, Alexandre Vinokourov (2x), Alejandro Valverde (2x) ou Philippe Gilbert já venceram a prova. O último vencedor foi Maxim Iglinsky e o recordista é um tal de Edouard Merxkc, ou Eddy, como é mais conhecido. Tem cinco vitórias.

Il Lombardia

O Giro di Lombardia, desde 2011 chamado de Il Lombardia, é o Monumento que mais alterações de percurso tem sofrido na sua história. Desde o Milão-Milão que durou de 1905 a 1960 ao Bergamo-Lecco atual, muitas cidades acolheram o início e o final da prova, incluindo a cidade suíça de Mendrisio.

Mais estáveis têm sido as duras subidas que fazem parte do percurso e tornam esta a mais montanhosa das cinco grandes clássicas, apesar do final contrariar as preferências dos trepadores e por isso muitos preferirem a Liège-Bastogne-Liège, onde o final lhes dá maiores possibilidades de êxito. Uma das subidas mais carismáticas da prova é a subida à capela Madonna del Ghisallo, patrona dos ciclistas, e junto à capela existe um pequeno museu do ciclismo.

Capela de Madonna del Ghisallo
Conhecido como “Clássica das Folhas Mortas”, enquanto existiu Taça do Mundo (1989-2004) o Giro di Lombardia costumava ser a última prova e ponto de decisão da competição, salvo raras exceções como em 96, quando a Taça do Japão fez parte da Taça do Mundo. Após a criação do Pro Tour/World Tour, o Giro di Lombardia continuou a ser a última grande corrida da temporada, disputada no sábado da terceira semana de Outubro. No ano passado foi alterado para o sábado seguinte ao Campeonato do Mundo de forma a contar com algumas grandes figuras que se preparam para os Mundiais e uma semana depois ainda estão em boa forma, e a partir deste ano a prova será ao domingo.

Fausto Coppi venceu por cinco ocasiões a competição e é o recordista. Damiano Cunego (3) e Philippe Gilbert (2) são os ciclistas no ativo que poderão chegar à marca de Coppi, ainda que seja uma árdua tarefa.

Recordistas

Nas suas histórias centenárias, apenas três ciclistas venceram as cinco provas: Eddy Merckx, Roger De Vlaeminck e Rik Van Looy. Deles destaca-se Eddy Merkcx com um total de 19 vitórias, e o último que esteve próximo de se juntar a este restrito grupo foi Sean Kelly. Ao irlandês faltou-lhe a vitória na Volta a Flandres, prova em que foi segundo classificado por três vezes.

Um ciclista vencer as cinco provas nos dias de hoje parece impossível. Fabian Cancellara (Sanremo, Flandres e Roubaix), Tom Boonen (Flandres e Roubaix) e Philippe Gilbert (Liège e Lombardia) são os únicos ciclistas no ativo que já venceram mais de um Monumento diferente. Independentemente de ninguém se perfilar para vencer as cinco, uma coisa é certa: cada uma delas é sinónimo de espetáculo garantido.

6 comentários:

  1. Grande Artigo, sou um grande apreciador desta altura da época, por causa destas clássicas, gostaria de sugerir um artigo, para perceber melhor o trabalho de uma equipa orientada para estas clássicas, como a Omega, contra ciclistas (quase) sem equipa como o Cancellara e o Sagan

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  2. Excelente artigo ! Parabéns. Concordo com tudo o que foi dito ...

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  3. Eu acredito que Peter Sagan (que ainda tem muitos anos de ciclismo pela frente) vá vencer os 5 monumentos.

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  4. Obrigado pelos comentário.

    Anónimo, a estratégia na corrida ou o trabalho feito antes? Não percebi a sugestão.

    Pengo, para já leva 0 vitórias, nunca esteve na discussão de Roubaix e nunca alinhou em Liège nem na Lombardia. O que não faltam são grandes especialistas que andam anos e anos atrás de uma prova e nunca chegam a vence-la, como o Flecha e o Hushovd em Roubaix. Agora imagine-se o que é vencer as 5.

    Cumprimentos!

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  5. Sagan tem apenas 23 anos, é normal ainda não ter participado na Liége ou nunca ter estado na discussão de Roubaix..terá tempo para o fazer...

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